sexta-feira, 28 de março de 2014

DIA UNIVERSAL DA POESIA

Se até agora vivi
Mais não foi que para buscá-la.

Percorri corpos femininos, atento e dedicado,
Em análise permanente do que ali se escondia,
Certo de que em cada um, de alguma maneira,
Declarada ou dissimulada, você estava, poesia.

Fui aos gritos das ruas, em greves e passeatas,
E você se derramava aflita e concentrada,
Travestida de gestos e palavras de ordem,
Ornada em faixas, galhardetes, bandeiras.

Andei sarjetas e marquises, bancos de jardins,
E você se anunciou em sorrisos desdentados,
Cabelos amarfanhados, cães abandonados,
Vestida de feridas e caixas de papelão.

Caminhei jardins, buscando teus sinônimos:
Flor, cor, pássaros, luz, borboletas
Adejando minhas retinas enamoradas de você,
Razão e pretexto para eu viver.

Li textos, muitos textos, onde você morava,
Em sensações versificadas;
Olhei mães amamentando, amanheceres...
Observei a arquitetura vegetal, variedade
De formas me dizendo: também estou aqui,
E lhe enxerguei na lua, despudor que fascina,
Nas marés, o balé das águas; no peixe fisgado,
Lucilação de prata transmutando-se janta.

Estivemos sempre tão juntos e misturados
Que já não sei quem sou eu e quem é você,
Que me roubou os olhos só para eu lhe ver.

Agora, no ocaso da vida, nos versos finais,
É que entendi: a vida humana é um poema
Que nasce ode, vive canto e morre réquiem.

Viver é isso, persegui-la incessante e contumaz,
Menstruando na menina, ajudando em delitos,
Recolhendo provas de que tudo tanto faz,
Porque se bom ou ruim só ecos dos seus gritos
Exigindo posse e permanência, atavicamente.

Viver é isso, declamá-la, exaltá-la em dedicação
Nos palcos, púlpitos, altares, ruas, camas...
Porque você é a essência que norteia,
A alma que nos habita, um sonho doido
Que se fez carne e voz, vontades.

Sem poesia a vida não se justifica, é rio seco,
Praia sem sol, domingo com chuva, morte,
Como se no mundo não houvesse ninguém.

Francisco Costa

Rio, 20/03/2014.

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