segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

SÓ LÁGRIMAS

Minhas lágrimas?
Eu as verti quase todas
Sobre papéis em branco,
Esperando que se consumassem
Palavras sentimentalizadas,
Borradas com o mais íntimo de mim.

Salgadinhas e cristalinas,
Escorreram sobre corpos meninos
Com flores esculpidas em sangue,
Desabrochadas em peitos e testas,
Esperando o Instituto Médico Legal.

Sem peias e amarras, correram soltas,
Misturadas a propinas e cala bocas,
Hidratando cada corrupto de plantão. 

Ocasionalmente mal retidas,
Molharam sarjetas de crianças com frio
E barrigas adolescentes esperando frios
Que dormitarão em novas sarjetas.

Prontas para umedecerem a realidade,
Inundaram tudo: palácios e casebres,
Manhãs ensolaradas, tardes sombrias,
Noites de temporais, reduzindo-me
A dois olhos encharcados, digitando
A sonoridade do silêncio lacrimoso
E triste, vertendo lágrimas.

Mas nem todas navegaram, macabras,
Em luto e decepção, ira deslavada
Varrendo os rituais da infame realidade.

Já chorei sobre peitos femininos,
Condimentando seios e palpitares,
Salgando orgasmos que me perseguem
Na vontade e na memória, eternizados
Porque únicos, diferenciados e precisos.

Quantas vezes me permiti corredeira
De lágrimas desaguando abundante
Em líquidos outros, íntimos, de entranhas
Quentes, só carne e desejos, molhadas...

Quantas, nublando chegadas e partidas,
Ornamentando adeuses e boas vindas,
Livrando-me do que se fez perecível,
Limitado, porque  já esgotado, acabado,
Ou de braços abertos para a definitiva?

Quantas sem motivo aparente, gratuitas,
Por causa de uma música, uma foto...
Qualquer coisa que ao simples passante
Soaria nada ou muito pouco para lágrimas.

Segundo poeta maior, somos fingidores,
E assumo o meu fingimento, a mentira:
Fingi sempre escrever poemas e versos,
Quando na verdade eu só sabia chorar.

Este o nosso ofício, verter lágrimas
Sobre papéis em branco, verbalizando-as,
Em esforço extremo de não sermos mais
Que as lágrimas com que escrevemos.

Francisco Costa

Rio, 08/02/2014.

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