segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

OS NATIMORTOS

Os poemas pelos quais choro?
Pelos natimortos,
Os que se quiseram ostentados
Aos olhos do leitor e morreram
Antes mesmo do ar da graça.

Muitos surpreenderam-me absorto
Em atividades outras, compenetrado:
Em salas de aulas, entre mitocôndrias
E emparelhamentos eletrônicos
De spins contrários, como casais
Numa dança imaginária, os alunos
Atentos à música redigida no quadro.

Outros chegaram comigo no atelier,
Reedificando-me cores e formas,
Compondo poemas visuais,
Derretendo-me tintas e solventes
Na consecução de poemas mudos,
Sem causar incômodo ao silêncio.

Teve os enxeridos, indiscretos,
Que chegaram nas discussões conjugais,
Em diálogos meus com contabilistas,
Fiscais, gerentes de banco, financistas,
Intrometendo letras entre números,
E os que me flagraram em camas,
Redigindo carícias em papéis de carne,
Procurando a rima mais rara
Em versos precisos, declinando-me
Poeta para ser não mais que um homem.

Ah! E os sem senso, maluquinhos
E inoportunos, surpreendendo-me
Em passeatas e concentrações, comícios,
Comigo no microfone, contribuindo
Com a história e os sorrisos dos herdeiros.

Os que se assanharam em praias,
Entre gaivotas, brisa, mar e bundas,
Lendo a poesia diretamente na fonte;
Os que se quiseram urgentes
Quando eu era preguiça e sono;
Os que se pretenderam sexo
Comigo exausto, em pleno intervalo,
E os que se pretenderam armistício
Justo quando eu estava no melhor da briga.

Estes ninguém leu e muitos esqueci,
Natimorreram porque fora de hora,
Extemporâneos, perdidos em si,
Todos atentos à nova encarnação
A qualquer hora da noite ou do dia
Requisitando-me novamente
Para nova explosão de poesia.

Francisco Costa

Rio, 14/02/2014.

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