segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

EU, O DODÓI

Pensa você que é fácil
Nascer riquinho ou quase,
Aturar pais neuróticos
Que nos compram tudo?
E que trazem para casa
O poder que têm na rua,
Nos tratando como coisa,
Simples objeto negociável?

Acredita mesmo, sério,
Que ser inútil é ser feliz,
Com babá nos poupando a mão,
Com papinhas e toddynhos
Na hora certa, a cama feita,
Roupa e toalha no banheiro,
Na hora do banho?

E as refeições, quando escolhemos
Cardápios e horários, na mesa posta
Em tenra idade, sem conhecimento
Do que útil ou necessário, sem
A surpresa da comida inesperada?
Nada mais enfadonho e chato.

E vem a idade da escola, e a escola
É enfadonha, particular, asséptica,
Com bandos de nós, os riquinhos
Sendo preparados para herdar tudo.

Empenho pra quê? Papai paga,
O que garante promoção e elogio.

E vem a adolescência vazia:
Shopping, games, musculação,
Em rotina de dar nos nervos,
Cotidianamente repetitiva,
De retaguarda garantida,
A mesa posta, a cama feita,
Os armários sortidos e cheios.

A vontade é de quebrar o quarto,
Destruir os meus brinquedos,
Dar umas boas porradas em meus pais,
Mas não posso, não devo, não quero.

E então, revoltado com a inutilidade
Da minha própria origem, um burguês
A quem nada nunca foi negado
E nada faltou, despindo-me de vontades,
Resolvo reagir, rompendo em definitivo
Com as amarras que me fazem nada,
Só um consumidor, desde o berço.

Então procuro amigos iguais,
Com o meu mesmo vácuo existencial,
Compro máscara, faço um coquetel
E saio destruindo tudo, queimando tudo,
Por impossibilidade de queimar meu quarto.

Tornei-me um adulto útil e fundamental,
As
sumi o meu ego e minhas vontades,
Eu gora sou um Black Bloc.

Francisco Costa

Rio, 11/02/2014.

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