sábado, 22 de fevereiro de 2014

PEQUENOS BÁRBAROS

O que me dói é o teu egoísmo,
O cuidar de si e que se dane o resto.

Teus valores são monetários,
Tuas vontades têm preço,
E tua razão de viver repousa
No dinheiro que te dará acesso a tudo.

Se em algum lugar alguém morre,
Solitário e abandonado, de fome e sede,
A ti diz pouco e pouco incomoda,
Não atinge porque não atrapalha
O trânsito das tuas ambições.

Nunca perdes tempo com o próximo
Porque o próximo é teu concorrente,
Ocupa lugar na fila, te faz esperar,
E concorre em concursos e acessa
O que gostarias de ter sido o primeiro
A ter acessado e tomado posse.

Este o teu mundo, o das coisas,
Dos objetos, dos utensílios,
Ferramentas da tua felicidade
Apoiada no ter, juntar, amealhar,
Porque tão mais poderoso te sentes
Quanto com mais guardado.

Tua mente não pensa, contabiliza.
Teu peito não arde, palpita de desejos,
Mas sempre materiais, palpáveis,
Concretos, próprios à subtração
De vontades, porque saciadas.

Nisso reside a tua coerência, em ter,
Não importa a que preço imposto
Aos que jamais irão ter.

Cristão ao inverso, em mão oposta,
Transitas de costas para o calvário,
Para agências bancárias, templos
Onde repousa tua divindade disfarçada.

Sobre todos os iguais a ti ou assemelhados
Repousa a indigência, a carência, a dor
Dos que se sentem apartados da vida,
Com menos para que possas ter mais.

Como não admites nada em comum
Tudo o que te contraria é comunismo.

Como dividir é verbo estrangeiro e hostil
Não admites cúmplice ou sócio,
Tudo o que te nega é socialismo.

E babas ódio e vociferas barbaridades,
Senhor da verdade porque a verdade
Se basta e se acaba no que tens,
Seja o pouco conquistado
Ou o que jamais terá, sonho eterno
Mobilizando-te ao atropelo do próximo.

Outros, iguais a ti, crucificaram,
Fizeram tomar cicuta, torturaram,
Trabalharam fogueiras e fuzilamentos,
Exterminaram em fornos crematórios,
Com a mesma justificativa de sempre:
Não pensam iguais a mim, concorrem
E atrapalham a mecânica do escambo,
Sobram no mercado, precisam morrer.

És cínico, dissimulado, irônico, ocupado
Em desqualificar tudo o que não converge
Para o teu sistema de ideias, pronto,
Acabado, imune a conceitos novos
Porque o novo é ameaça, insegurança,
Porque ainda não tem preço.

Certo que pensas que falo dos ricos. Não!,
Este modo de ser não se mede
Pela quantidade de moedas amealhadas,
É um estado de espírito, um modo de ser,
Não importa se só com um cofrinho
Ou uma gorda conta secreta no exterior.

Robô do capital que tens ou não,
Esperas que tudo vire dinheiro
E que o dinheiro mova o mundo.

O que não sabes e nunca saberás
É que o dinheiro não compra o tempo
Que flui conspirando em favor da vida.

Podes atrapalhá-la, retardá-la...
Mas jamais a impedirás.

Um homem não é um cofre, é mais.

Francisco Costa

Rio, 19/02/2014.

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