Saudosista, tento parar o tempo,
Mas como, se tudo muda
Mais rápido que o homem?
Tijolo a tijolo, a paisagem muda.
Muro a muro, a paisagem se retalha;
E mesmo as cores nos catálogos,
Nas paredes e cômodos,
Desbotam-se, amarelam-se,
Compondo mudanças permanentes
Que quase nunca se repetem.
A paisagem, então, não pode, não deve
Ser referência, ponto fixo de apoio,
Evola-se em fumaça e morre em tapumes.
Busco a cultura, o que jorra incontinente
Da cabeça do homem, e vou à música.
A marcha de ontem funkeia agressiva
E os concertos e madrigais, as sonatas,
Sofrem, apunhaladas no mercado do fútil,
Do imediato e descartável
Reclamando mudanças rápidas e radicais
Expostas nas gôndolas dos shoppings.
Então vou às cores e formas, ao furto
Da realidade imobilizada nas telas,
Modelada em pedra ou massa,
E as paisagens, os rostos, as naturezas mortas
Tornaram-se abstratas e a tinta pinga
Como sangue no cenário dos dias atuais.
E tento dançar, mas minha partner
Trocou as sapatilhas pelos tênis
E nua tem orgásticos espasmos no salão,
Como uma salamandra em salmoura,
Ou um infeliz sapo na boca de uma cobra.
São movimentos frenéticos, desconexos,
Em acorde com o abstrato das telas,
Os sons militarmente retumbantes
E as lacerantes luzes do caos
Dopando as minhas retinas atônitas.
Atônito, sem ter o que fazer no mundo hostil,
Vou para as ruas. O trânsito não flui, parado,
Empacotado entre buzinas e impaciência,
Com tudo pardo, o sol eclipsado em prédios,
E as passeatas de outrora são batalhas campais
De anônimos sem propósitos e sem bandeiras,
Investindo sobre tudo o que se quer civilizado,
Como tanques, tratores desprovidos de pilotos,
Migrados para o que mora atrás de máscaras,
Um sítio de vácuos e impressões vagas,
Jogando no mundo as frustrações que os habita.
A ponte que me liga ao passado foi dinamitada.
Do lado de cá sou um estrangeiro sem raízes,
Um peixe apartado do mar em que morei,
Só um verso divorciado do poema.
Edificar-me novo é difícil. Por isso morro
Devagarinho, um pouquinho em cada dia,
Entre o espanto, o desencanto e a poesia.
Francisco Costa
Rio, 22/02/2014.