domingo, 5 de abril de 2015

QUERERES

Quero tudo o que a mim cabia e a vida não deu,
em negativas constantes, permanentes, más.

Quero conhecer Pequim e Constantinopla,
namorar no Prado, trocar beijos no Louvre,
tomar uísque com Vinícius, cantar boleros
com a voz de Gatica, sambar com Cartola.

Quero aprender a surfar, saltar de paraquedas,
fazer mergulho autônomo, pilotar Phantons,
apascentar rebanhos de ovelhas nos Pampas.

Quero trocar tiros em Damasco, ir à Havana,
pedir autógrafo a Fidel, amanhecer africano.

E se a mais quereres tiver direito, quero
colecionar conchas e guardar borboletas,
ter enorme estufa com todas as bromélias
que eu coletaria em todos os continentes.

Quero antepassados reencarnados e rindo,
todas as ausências desfeitas, primos e primas
meninos outra vez, peixinhos nos córregos
que os esgotos e dejetos industriais migraram
para o nunca mais, distante, longe, no nunca.

Quero louras de lingerie preto, morenas
de cabelos negros e calcinhas vermelhas
dançando tangos imaginários no meu quarto,
negras de azeviche e olhos de jabuticabas
nuas, fazendo-me lua na noite inaugurada.

Quero cada uma que registrei nos versos,
todas as declaradas e as que mantive secretas,
uma boa pescaria com papai e tio Zé, tio Zeca,
antigos natais, velhas quermesses, fogueiras,
tocando tuba na procissão de São Jerônimo,
certo do céu que perdi junto com a inocência.

Mais quereres ou acabou o estoque? Mais?
Eu quero tocar nas nuvens, conhecer Marte,
jogar bolas de gude com Mandela, rodar pião
na Palestina florida, sem cadáveres e dores,
sepultar a tristeza de todos os humanos,
esses bichos estranhos e equivocados
que trocam a cópula pela cúpula,
o coito pela luta, mais inocentes que crianças,
acreditando que acionando gatilhos
dos canos jorrarão esperanças.

Só resta mais um querer, só mais um?
Eu queria não querer, isso dói.

Francisco Costa
Rio, 23/01/2015.

2 comentários:

  1. Lindo. Lembrei de meu marido que adorava as belas letras de Caetano:
    "Onde queres revólver, sou coqueiro
    E onde queres dinheiro, sou paixão
    Onde queres descanso, sou desejo
    E onde sou só desejo, queres não
    E onde não queres nada, nada falta
    E onde voas bem alto, eu sou o chão
    E onde pisas o chão, minha alma salta
    E ganha liberdade na amplidão..."
    Ambos os poemas - belos!

    ResponderExcluir
  2. Lindo. Lembrei de meu marido que adorava as belas letras de Caetano:
    "Onde queres revólver, sou coqueiro
    E onde queres dinheiro, sou paixão
    Onde queres descanso, sou desejo
    E onde sou só desejo, queres não
    E onde não queres nada, nada falta
    E onde voas bem alto, eu sou o chão
    E onde pisas o chão, minha alma salta
    E ganha liberdade na amplidão..."
    Ambos os poemas - belos!

    ResponderExcluir