reduzido a pouco, quase nada,
procuro-me, cacos dispersos,
em tudo o que fez parte de mim.
Eu fui aquela árvore solitária,
vegetal arquitetura de florações
ornamentando as manhãs baldias,
feitas de trinados e ventos, chuvas.
Aquele menino maltrapilho e pobre,
acorrentado ao que lhe falta e dói,
fui também, farejando consumos,
sonhando com sopas e ensopados.
Arrebatado em ódio e fúria, raiva,
guerrilhei seculares moinhos,
quixotescamente edificando sonhos
que amanheceram quase derrotas,
em desafios a novas escaramuças.
Fui minha jaula e minha chave,
prendendo-me em beijos e abraços,
libertando-me em adeuses tristes,
náufragos nas lágrimas, definitivos.
Garimpei sorrisos, amealhei corpos,
submetendo-me, solícito e inteiro,
à magia da posse, intermédio nu
onde se consagra a realização.
Naveguei céus e coletei estrelas,
guardando-as entre conchas e seixos,
alguns velhos poemas e pinturas,
comigo atento à linguagem das cores,
disfarces da luz enamorando-me.
Cultivei hortas e manias, vontades,
algumas abortadas, outras, realizadas,
ordenando-as ao acaso, por acaso,
em versos paridos a minha revelia,
imperiosos, exigindo a decifração
do que em mim sobrava e faz falta.
Agora sou só duas mãos que digitam
e um coração aflito que as orienta,
uma flor solitária que olhos não visitam,
quase nada que para o nada se ostenta.
Francisco Costa
Rio, 11/04/2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário