domingo, 5 de abril de 2015

PERGUNTAS...

De onde me vêm os versos,
quase constantes, à revelia,
sem que eu os peça ou espere?

Como atribuir-lhes minha autoria
se quase nunca concordamos,
em rebeldia explícita e constante?

Necessidade de catarse pelo que incomoda?
Como então justificá-los acordando-me,
em plena inconsciência,
quando nada incomoda?

Aprendizado indesejado, fluindo constante?
Então engenheiros desenham por impulso,
médicos receitam por instinto, motoristas
dirigem veículos involuntariamente,
por incontroláveis impulsos naturais?

Não, nada flui sem a intermediação da vontade,
sem a determinação do fazer
promovendo a intenção ao ato.

Onde reside então esta fome de fazer arte,
reduzindo pintores a apêndices de pincéis,
músicos a peças de instrumentos, atores
a ladrões de almas, as que eles expõem por aí?

Como explicar que homens se abstenham
do que a vida oferece e se debrucem em palavras,
ordenando-as, concatenando-as, seduzindo-as
em textos que os escravizam e submetem
porque, nascidos ultrapassados, exigem outros,
já prontos, na fila, esperando a redação?

Que maldição é essa que nos assola vítimas
do inexplicável exigindo explicação?
Que estranho vegetal é esse, florescendo veneno
e que envenenando perfuma e enfeita, à revelia
de quem o plantou, em colheita obrigatória?

Como livrar-se desse câncer se parte do corpo,
desde o nascimento, tão íntimo e natural
que extirpá-lo seria abrir mão de si escrevendo,
para ser só um inútil e esclerosado câncer,
uma ferida que em si não se justificaria
porque avaria em nenhum corpo?

Como recusar-se ao fazer poético
se anexo do coração, um órgão a mais,
invisível e fundamental, impulsionando-o?

Como fechar a mão e dizer não
se o peito continuará aberto, dizendo sim?

Como se livrar da maldição
se o que maldiz tem tradução,
explicita-se em forma de amor?

Como não emitir palavras carícias,
fonemas beijos, signos orgasmos,
se nos poetas assim se manifesta o amor?

Quando pensamos que estão escrevendo,
estão nos iludindo, estão namorando.

Francisco Costa
Rio, 05/01/2015.

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