sábado, 21 de dezembro de 2013

SALVAGUARDAS

Estranho esse teu salvaguardar de intenções,
De deixar para depois o que se pede urgente,
Sacrificar a porção mais fundamental e precisa.

Em ti fervem hormônios que disfarças, escondes,
Como se possível conter o calor e desconhecer
O que lacera e incomoda, umedece as entranhas
Como vocação amordaçada, burka no necessário.

És mulher, como tantas e todas as outras, carne
Em sedição de sevícias consentidas, surpresas,
Admoestação de dentes trincados e arrepios,
Contorções e estertores, palavras gemidas,
Mansietude de gazela dormindo depois, após.

A cada vez que dizes não não é a alguém que te negas,
Mas a ti mesma só e encolhida, curiosa, com fome,
Mas sabedora de banquetes possíveis e ao alcance,
Para mais doer. O puritanismo é a máscara do sentir,
A fantasia de um anti carnaval feito de silêncios,
De imobilidade que não desfila, de passistas mortos.

Como então existir em plenitude se escondendo
No biombo das orações e dos poemas, dos disfarces,
Das mentiras que dizemos a nós mesmos, na inútil
Esperança de despertar inocência no que já se fez adulto?

Só um sentimento te habita, a autocomiseração,
Aquela sensação de pedaço apartado, amputado,
E que agora habita em outro corpo exigindo o encontro.

Teu espelho te reflete, não te completa, porque nele
Aparece só a parte que chora, as lágrimas constantes
Que fugiram dos olhos e em outra parte te umedece.

Há que secar o pranto, mas como, se do lenço foges?
Flores que se recusam a desabrochar morrerão botão,
Só uma vontade de sim na insistência do não.

Francisco Costa

Rio, 19/12/2013.

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