sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

DEPOIS DO TEMPORAL

Rústico, imune ao que incomoda,
O meu coração amanheceu mole.

Hoje moro em duas cidades,
Estranhas, inversas, antagônicas.

Em uma o sol brilha sempre,
Ainda que com o céu nublado,
Derramando-se líquido e denso
Sobre os jardins e os telhados.

Ali espero a chuva cessar e saio,
Cotidiano, em provimento
À continuidade da véspera.

Na outra traço o recomeço
Depois de cada temporal.

É como se não houvesse ontem
E o século se inaugurasse hoje,
A partir do zero, desafiando-me
A procurar roupa e sapatos,
Tirar segunda via de documentos,
Redescobrir-me ainda vivo,
Fora do inventário das vítimas.

As duas cidades estão apartadas,
Distantes, embora vizinhas,
Limitadas por muros de dinheiro.

Em uma me moro proletário
No pasto das necessidades,
Na outra, protegido e enxuto,
Assisto os da sobrevida
Fugindo da enchente.

São duas as cidades.
Uma, filha do poder público,
É onde moram os do Rio de Janeiro.
A outra, enjeitada enteada do poder,
É onde morrem nos rios de dezembro.

Se um dia foram uma só e mesma,
Não sei, não vi, não lembro.

Francisco Costa

Rio, 11/12/2013.

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