sexta-feira, 8 de agosto de 2014

ARIANO

Entoemos uma ária,
mas não uma ária qualquer.

Esta deverá ser nascida no agreste,
composta em areal e pedras,
sonorizando vento na caatinga.

Em cadência de xote e frevo,
em ligeiro martelo agalopado,
que dancem nela os personagens
nascidos da alma brasileira,
em chistes que nos desnudam
e deixam a mostra a brasilidade.

Tudo muito bem temperado
com consciência social e reclamos
de melhores dias a serem fixados
em cerâmicas e máscaras, bonecos
ornamentando hoje as lágrimas
que foram sorrisos ontem,
nascidos da pena do poeta.

Entoemos uma ária.
É preciso uma ária enorme
imensa, desmedida e clara,
uma ária no Suassuna.

Francisco Costa
Rio, 24/07/204.

ATO DE HUMILDADE

Deito-me, barriga para cima,
Em ansiedade de menino
Diante do primeiro corpo nu.

As imagens vão se sucedendo,
Aleatórias, sem ligações,
Em cortes atemporais,
Alternando sonho e pesadelo,
Em mosaico disparatado,
De cacos ao acaso.

Já não sou eu o que me observa,
Mas um estranho, um forasteiro
Em trânsito na minha memória,
Farejando a minha existência.

Alterno-me em orgulho e vergonha,
Sem ter como omitir momentos,
Esconder atos, mostrar fatos,
Passivo e impotente,
Ora anjo, ora delinquente,
Desfiando o rosário das realizações.

Despido de mim mesmo, distante,
Apartado do que me é familiar,
Estou a sós com a minha consciência,
Diante da qual nada é confidência.

Não tenho justificativas ou desculpas,
Argumentos, senão a mea culpa,
Em antecipação de sentença
Condenatória: junto com as flores
Plantei espinhos e erva daninha.

A vida que pensei grande e rica
Foi medíocre, miudinha.

Francisco Costa
Rio, 05/06/2014.

Como único bem deixarei apenas a minha indignação.
Que meus filhos a dividam de maneira justa,
para que eu possa me multiplicar em cinco revolucionários.

Francisco Costa
Rio, 03/07/2014.
Cúmplice no que te faz ígnea forma,
fulgor que se inflama sem chamas,
em luminescência de estrela que cai
em cacos, iluminando a minha cama,
limito-me à contemplação, em fascínio
de menino antevendo a primeira cópula.

Poreja em ti insonhados segredos,
antevisões do que não se pode sabido,
reticências e silêncios, longas esperas,
em agonia do que se pretende urgente.

Matas-me, moça, nesse alheamento
de flor silvestre, de beleza anônima,
longe dos olhos, embora no coração.

Enquanto sonho, derramo versos.

Francisco Costa
Rio, 02/07/2014.

Sempre que a noite se veste de estrelas
e se sonoriza em beijos e cochichos,
duendes e fadas entram em prontidão,
prontos para semear sonhos e atitudes
que acordarão sorrisos no dia seguinte.

O que não pode ser conhecido é assim,
baila escondido, mastigando as trevas
para criar o hábito da luz.

A noite, borboletas invisíveis e elfos,
aos magotes, brincam do espaço
e pousam sobre testas adormecidas,
que se acreditam sonhando.

Entre a realidade e o imaginado
mora a matéria da poesia.

Ao poeta cabe dar-nos a conhecê-la,
fecundando-a de noite,
para que nasça de dia.

Francisco Costa
Rio, 20/06/2014.
Eclético, o plástico se estica
à lua e à estrela que pisca,
corre estradas, faz pista,
escorre no mar, se arrisca
e lista o que de mágico
brota no olhar do artista.

Francisco Costa
Rio, 16/06/2014.
Entre o nazismo
e o sionismo
opte pela fuga.

Francisco Costa

Entre a intenção e o gesto
o meu pendular coração
oscilando, oscilando...

Francisco Costa

Entre cores opacas
e  ruídos
procuro luz e música.

Francisco Costa


Entre as minhas ambições
e as minhas realizações
dorme um anjo sonolento,
preguiçoso, patasquara,
incompetente pra tudo.

Assim é que me viro só,
sem a prestimosa ajuda,
garimpando os sonhos
que estendo nos versos.

Terminados os poemas,
ele acorda e vem opinar.

Todos têm um anjo da guarda,
eu guardo um anjo.
Ele me vela o sono,
eu revelo os sonhos.

Francisco Costa
Rio, 23/06/2014.

HERÓI DA HORA

O goleiro é o anti jogador de futebol,
habitando exíguo espaço, sem correr.
Se todos jogam para vencer, para gols,
o goleiro existe para evitar vitórias,
Semeando a frustração do gol perdido.

Intruso do futebol, joga com as mãos,
o que o caracteriza jogador de handebol,
vôlei, basquete ou qualquer coisa igual,
onde os pés  são estranhos e proibidos.

Isso até o dia em que o time não anda,
empacado, em câimbra coletiva,
olhando para aquele sujeito estranho,
diferente até no uniforme e no gestual,
quando por impedir os gols não feitos
por seus companheiros,
deixa de ser simples goleiro
para ser o principal artilheiro.

Hoje foi assim. Salve Júlio. Ave, César.

Francisco Costa
Rio, 28/06/2014.
Hoje darei rosas,
somente rosas,
não mais que rosas
belas, sofridas,
nascidas do mais íntimo
desta manhã clara e doce.

Rosas semeadas em paixão,
adubadas com canções
florindo palavras e ritmos
que se farão versos
a se ostentarem, coloridos,
em sua cabeceira, na sala,
em floreiras e jarras,
como se eu estivesse aí
gritando eu estou aqui.

Quando murcharem avise,
tenho muitas em meu jardim.
Ele é inesgotável
porque está em mim.

Francisco Costa
Rio, 24/07/2014.

IGNARA FAUNA

Apaixonado pela natureza,
amo a Ecologia de montão,
um pouco por diletantismo,
muito por auto preservação.

Entre Darwin e Mendell, sonho,
namorando cores e formas,
interação e movimentos,
o equilíbrio como norma.

Só uma espécie não entendo,
destoando das demais,
a que tem o nicho nas praias,
nos shoppings e áreas virtuais.

Permanentemente acoplados a fones
de onde jorram sertanejos universitários,
funks, neopops e pagodes,
ostentam aparelhos ortodônticos,
coloridos, metálicos ou de plástico,
ocasionalmente piercings e tatuagens
em calças com a bunda de fora.

Surfam, skateiam, vão às igrejas...
E quando lhes bate o vazio existencial
correm para as redes sociais,
onde exercem a catarse de todo o mal,
teclando toda a sabedoria adquirida
na rica e variada existência, postando
alertas de comunismo em curso,
corrupção governamental, mensalão,
pedindo linchamentos e passeatas,
o fim da política de cotas e Bolsa família,
tudo entre fotos de gatinhos e cães,
versículos bíblicos, flores, selfs e piadinhas.

Não respeitam o próximo. Por isso
aconselha-se o uso de cercas e portões
nos jardins e gramados. São vorazes,
devorando tudo o que encontram pela frente.

Francisco Costa
Rio, 21/07/2014.
Mais congestionado que o trânsito parado,
o meu nariz gripado, o que sobra ao lado,
está esse meu coração desarvorado,
prenhe do que pretende e não entende,
me surpreende, atônito apaixonado.

Cardiansioso de nascimento, carrego
esse tormento que não nego:
estar sempre apaixonado perdidamente,
ainda que sozinho e independente,
como essa solidão que carrego.

Francisco Costa
Rio, 01/07/2014.

LEONE

Pequeno anexo de mim que cresce,
caminha para a emancipação, cobra
sua parte no mundo, pronto à posse.

Um a mais no rebanho humano
que espero lúcido um dia, lutando
para que nunca mais haja lutas.

Fonte do meu orgulho, altar maior
onde descansa a minha esperança
e flui os meus sorrisos mais honestos.

Calmaria nascida da intempérie,
como só nós dois sabemos,
para colorir com graça e inocência
os dias mornos dessa existência
que se justifica por te amar.

Feliz aniversário, meu filho.
Feliz aniversário, Leone Costa.

Francisco Costa
Rio, 04/07/2014.

MUHAMED

Muhamed corria nas pedras,
pés sujos de areia,
farejando os dias seguintes
escorrendo lentos em Gaza.

A cegonha errou a rota
e depositou Muhamed
num ninho de bombas
filhas de pássaros metálicos.

Ontem uma delas eclodiu,
libertando fogo e fumaça
com a fome dos recém nascidos,
aleitados em sangue e petróleo.

Muhamed corria nas pedras,
pés sujos de areia,
farejando os dias seguintes
escorrendo lentos em Gaza.

Francisco Costa
Rio, 18/07/2014.

Nesta cultura áudio visual
toda a beleza do rito sexual
se perde, substituída
pela foto de um pau.

Francisco Costa
Rio, 09/07/2014.
Edificado em algodão
e plumas imaginárias,
frágil e vulnerável,
visto-me de falsa força,
momentânea altivez
e aparente competência.

Limitado em percalços,
impedimentos e derrotas,
imponho-me ao adiante,
mastigando obstáculos.

Mas quando só,
entre o espaço e o espelho
reduzo-me a menos
que plumas e algodão,
reduzido a só imaginário.

Entre intenções e gestos
esgrimo comigo,
sem nunca me saber
se vencido ou vencedor.

Sou apenas um apêndice
dos meus floretes
e espadas.

Sem luta não existo.

Francisco Costa
Rio, 17/07/2014.

Orgia de instintos,
Ela não se basta em si,
Em permanentemente
Busca de complemento.

Mal dissimula necessidades,
Os imperativos da carne
Impondo procura constante.

Quem a vê assim, distraída,
Não sabe o que esconde,
Avalanches de carícias
E tormentas de prazeres
Submetendo a quem encontra.

Fêmea em estado máximo,
É sagração à volúpia e ao êxtase,
Uma oferenda ao deus amor.

Francisco Costa
Rio, 02/06/2014.

CARNAVAL JUDEU

No cordão dos mutilados
tem meninos esbagaçados,
pais perdidos, aleijados,
sangue e lágrimas na areia,
corpos exangues, na dor
que os aparta e permeia.

No cordão dos mutilados
a música é monocórdica,
de estampidos e bombas,
em ritmo repetitivo e oco,
num coral de sombras.

Na passarela da Palestina
desfila estranho cordão,
ostentando cruel enredo:
os fornos crematórios
que ontem arderam lá
agora ardem aqui,
semeando caos e medo.

Francisco Costa
Rio, 24/07/2014

QUASE RÉQUIEM

Enlevado e surpreendido
assisto-me prelúdio
de um réquiem próximo.

Descolorem-se as pétalas
e o sol, alheando-me
penumbra rápida
que se estende no varal.

Olho-me como se a outro,
esse olhar baço no espelho,
em prólogo de não se olhar,
reduzido a comentários,
memórias e referência.

Entre o ontem e o amanhã
assisto-me quase ausência
postada no nunca mais.

Já as borboletas e os versos,
estes continuarão.

Francisco Costa
24/07/2014.

Urge que te faças sombra
Porque sobras, excedes
Nesse meu coração cansado.

Trago agora a inconstância
Do que não se permite permanente
E morre um pouco aos poucos.

Minha vitalidade, a despetalei
No combate das dúvidas,
Em lutas que não comecei.

Agora só quero o silêncio.
O silêncio feito de estar só,
O silêncio feito de ausências.

Urge que te faças sombra
Porque, sombrio,
Sou só o fim de um susto.

Francisco Costa

E ao ouvir
apaga a velinha
o surdo meliante
matou a avó
do aniversariante.

Francisco Costa