terça-feira, 4 de junho de 2013

SÓ UMA LÁGRIMA NOS SORRISOS

(“Deixai que venham a mim as criancinhas”
Ele estava brincando ou nos dando o exemplo?)

Hoje, especialmente hoje,
Eu os convido a um ato revolucionário,
À cegueira da pretensa razão:

Dispamo-nos de conceitos e preconceitos
E olhemos com os olhos do que não vê:
Salve as crianças, viva as crianças, todas,
Continuidade e permanência, sequência.

As bem vestidas e calçadas, bem alimentadas
Entre shoppings e viagens, luxo e conforto;
As descalças e de peitos nus, sorridentes,
Correndo nas alamedas da vida, em gritos,
Atrás de bolas, pipas, balões... Da vida;
As compenetradas e sérias, preparando-se
Para a arte da análise e da crítica, predestinadas;
As que empurram carrinhos e embalam bonecas,
Em plágios aos adultos, preparando-se.

Mas lembremo-nos também das terminais,
Das que purgam dores e inexistência adiante,
Em leitos, agonia, purgando dores injustas;
As de Down, existência em câmera lenta,
Sem atavismos ao que é material e à pressa;
As autistas, habitantes de universos pessoais,
Recusando à contaminação do feio e do triste;
As cegas, num mundo só de imaginação;
As mudas, amando sem pronunciar te amo;
As surdas, imunes a música e às vozes de mães;
As paraplégicas, interditas a bolas, a pipas,
A corridas na chuva, a cantigas de roda.

Mas, sobretudo, lembremo-nos, e muito,
Das que vivem pela metade, das que nascidas
Semelhantes ao que se convencionou normal,
Vivem lentas, em down; em mundo próprio,
Obrigatoriamente autistas; cegas porque só vendo
O que comer,  em miragens de utopias;
Mudas, porque a solidão não oferece interlocutores;
Surdas porque alheias ao que não tem sentido;
Paraplégicas porque longe de brinquedos e brincadeiras;
Terminais, porque a fome mata.

Olhemos para as crianças sem apartá-las,
Em pensamento único fazendo-as iguais: crianças.

Se conseguirmos, pelo menos no dia de hoje,
Fomos longe, nos tornamos crianças também,
Só pessoas a mais num rebanho de iguais,
Crianças também, vida plena, sem concessões.

Conseguindo, não olhemos para o ontem:
Sentiremos vergonha de termos sido adultos.

A mesa está posta.
Que se sentem todas as crianças do mundo,
Sem cores, raças, nacionalidades, ideologias...
Só crianças, como um dia fomos e nos esquecemos.

Francisco Costa
Rio, 01/06/2013.

(Aos brasileiros: hoje, na Europa e na África, é dia das crianças)

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