terça-feira, 7 de maio de 2013

SUSTO


Roubaram-me as cores do jardim!
As flores todas amanheceram cinzas,
como cinzas, de negro em todos os tons,
desbotados matizes, as borboletas também.

O sol só reflete agora a monotonia
monocromática dos televisores antigos,
como se eu tivesse os olhos obinublados,
opacos, impróprios à luz, inúteis, a mais.

Em desespero e frustração, mal contido,
ajoelhei-me no oratório da razão:
por que comigo? Porque isso, essa mazela
impondo-me, ainda que fora, uma mutilação?

E então o anjo da poesia (existem. Confia!)
rindo-se, aconchegou-se em confidência:
acalma-te. Pelas cores conheces as flores.
Fossem todas iguais, como dizer rosa ou dália,
como apartar mal-me-queres e margaridas?

Este o saber, perceber cores, distinguir
matizes, tons, nuances, diferenças.
O ignorante não conhece as cores do mundo,
vê com a lente do tudo igual e já sabido.

Já os teus olhos acordam e as cores também.
Esse susto foi só para te apiedares
dos que não sabem das cores,
e fazer de ti próprio, missão:
espalhar cores, colorir tudo.

Para tanto faz da escrita ferramenta,
das palhetas e pincéis, instrumentos,
da tua voz, oração. Colorir é tua meta.

E então me fiz poeta.

Francisco Costa
Rio, 21/04/2013.

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