terça-feira, 7 de maio de 2013

RITUAL DE LÁGRIMAS


Como homenageá-las se mais não fiz que chorar,
ininterrupto e cotidiano, a cada uma que chegou
e, granítica e fria, partiu levando um pedaço?

Como, se me lembro de cada lágrima gasta sempre,
ora em surdina do envergonhado, dissimulado,
ora em pranto desbragado, assumido, mais doendo?

Como calar as noites de temporais, meu corpo na chuva,
vergado e só, salgando poças, ocasionais correntezas,
bueiros,  com os pingos da minha alma liquefazendo-se,
dor líquida entre trovões e relâmpagos, enxurradas?

Como, digam-me, como prestar culto às musas
da minha dor permanente, rasgando, queimando
em tortura de prisioneiro ansiando a morte, o fim?

Como louvá-las se não mais fizeram que cavar espaços,
construir buracos em meu peito todo remendado?

Mas... Pronto ao ponto final, me lembro a tempo:
se cá estou, aqui cheguei rasgando carnes, em gemidos,
semeando hemorragias, espalhando sangue , dores.

E imagino os meus primeiros passos em mãos seguras,
as letras, matéria prima dos meus poemas, domesticadas
por mãos macias e carinhosas: a e i o u, vovó viu a uva,
em dedicação de parte que não se aparta porque impossível.

E a primeira namorada, de beijo rápido corrido, envergonhado,
mal sentido nos lábios tesos, duros, nervosos, adolescentes.

E beijos outros, vida a fora, já apascentados da inexperiência,
fazendo-se novos e diferentes em cada uma, porque diferentes.

E o primeiro corpo nu, primeiro orgasmo fora das mãos,
uma chuva de estrelas caindo, explosão de luz, êxtase
posto na consecução do que é finito, e por finito, grande.

E outras, outras, mais outras num rosário quase sacro
de contas perfumadas, debruadas em desejos e paixões
acorrentando-me a corpos, olhares, dissimulações, amores.

E me vejo interdito aos versos se não por elas, matéria prima
dos meus sorrisos, dos meus encantos transcritos no papel, na tela,
no mundo, em mim mesmo ostentando-me passionalidade escrita.

Como então, hoje, deixar de confessar que minhas lágrimas,
nunca demais por mais que muitas, mais não foram que culto,
ritual de amante em permanente dedicação, entrega total,
desde o momento primeiro, quando rasguei a primeira em parto,
até o meu momento último, além, despedida de cada uma delas?

Minha história é a história das minhas paixões.
Sem elas eu seria planta, pedra, nuvem...
Qualquer coisa, menos um homem.

Francisco Costa
Rio, 08/03/2013.

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