quarta-feira, 8 de maio de 2013

OS CHATOS


O mais chato no hospital?
O que lacera, desespera?

Não é o palavrório de parentes,
todo mundo médico competente,
sem que soubéssemos:
- você não deveria ter fumado.
- você era desregrado.
- você dormia pouco.
- vivia mal alimentado.
E com os verbos críticos, sofridos
sempre no passado,
como se eu já tivesse morrido.

Menos os olhares doutos
dos terapeutas e socorristas
como cientistas atentos
na lente do microscópio,
olhando-me como a uma bactéria
ou fragmento de meteoro
caído de Alfa do Centauro.

O acordar fora de hora,
não para convite ao sexo,
mas momento de pílulas,
drágeas, comprimidos,
gotinhas, poções...
E as injeções, uma atrás da outra.

Injeção é como chifre, cornos
na testa da vítima: no início dói,
mas depois você se acostuma,
e nem se incomoda mais.

Tudo isso é irritante, mas suportável.

O que nos leva aos portais do inferno
é a peregrinação dos bem intencionados,
evangélicos de todas as denominações
perguntando se você já aceitou Jesus;
católicos rezando Pai Nosso e Ave Maria;
espíritas anunciando o que o espera;
testemunhas de Jeová, adventistas...

Só não foi a turma de Alá
e os filhos de Oxalá (deviam estar de folga
ou cuidando de almas outras, mais merecedoras).

Todo mundo anunciando o que o espera
para daqui a alguns minutos, implorando
que se arrependa justamente de tudo
aquilo que você achou ótimo e repetiria.

Mas é bom essa gente com o interno.
Como estão todos salvos, já no paraíso
com convicção por eles anunciado,
nos dão a certeza de que viver é preciso,
porque esse céu pretendido deve ser um inferno.

Francisco Costa
Rio, 19/03/2013.

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