terça-feira, 7 de maio de 2013

NO STRESS


O doutor foi incisivo: no stress!
Farei o possível, sr. Terapeuta,
adiantando que vai ser difícil.

Mal refeito do mal não tão súbito
porque esperado, aguardado,
como favas contadas, em virtude
de tanta raiva armazenada,
fui acometido de alta hospitalar.

Chego em casa e abro o jornal:
polícia mete a porrada em índios,
pelo crime de morarem na cidade;
pastor assumidamente homofóbico
e racista, deputado federal, preside
a Comissão de Direitos Humanos;
conjunto habitacional recém inaugurado,
para abrigar vítimas das inundações,
é abandonado por ter sido inundado;
obras em estádios para a Copa do Mundo
ainda não chegaram na metade, se tanto,
e já comeram mais que o dobro do custo
inicialmente previsto, roubado, furtado;
diretor da cadeia chefiava quadrilha
de detentos dirigindo delitos nas ruas;
Rock in Rio, Olimpíadas, Copa do Mundo
em homenagem aos cadáveres nordestinos,
quase pedras secas porque desidratados,
aguardando as verbas federais;
governo instala câmeras em toda a cidade,
para evitar roubos, assaltos, homicídios,
e todas as modalidades de violência;
e instala câmeras em todas as viaturas
da polícia, para evitar roubos, assaltos,
homicídios, recepção de propinas,
e todas as formas de violência;
governador não entende os protestos
dos usuários das barcas que ligam
as cidades do Rio de Janeiro e Niterói,
veículos com capacidade para quinhentos
e que transportam dois mil passageiros
em cada viagem, a supersônicos
vinte quilômetros por hora,
mais lentamente que a caravela de Cabral,
a cinco séculos atrás, quando não quebram e,
motores parados, ficam à deriva.

Abandono o jornal, ligo a televisão,
e a repórter lastima a morte do cantor:
daqui a pouco daremos a hora
em que será enterrado
e a hora do sepultamento.

Mudo de canal imediatamente, trêmulo,
em ódio maldizendo a mediocridade,
e me interesso pela entrevista em curso,
sobre fobias: “não suporto baratas,
aquelas quatro perninhas...”

Não acredito e mudo o canal de novo.
A loura apresentadora, diante de centenária
anciã: na sua família todo mundo dura tanto
ou só a senhora é longínqua?
Imagino os meus irmãos portugueses,
longe de mim, apartados por um oceano,
e concluo que estão longevo.

Desligo imediatamente,
mais revoltado que siri na lata.

Triste vida, poemas de amor
 ou reclusão voluntária.

No stress, doutor?

Francisco Costa
Rio, 29/03/2013.

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