terça-feira, 7 de maio de 2013

NARCISO TRISTE


Ontem, em mais um dos meus delírios noturnos,
entre aturdido e parvo, surpreendi-me
com os olhos presos na parede.

Sobre argamassa e tinta, silenciosamente
um homem me olhava, cansado e triste,
vestido com todas as aflições do mundo,
com todos os seus mistérios,
cada motivo de esperança ou curiosidade,
tudo o que nos faz persistir,
insistir em acreditar no dia seguinte.

Estava ligeiramente curvado,
com toneladas de desilusões sobre os ombros,
as mãos crispadas, como se tentasse
agarrar-se a alguma coisa ou alguém.

Analisei-lhe os cabelos grisalhos,
principiando a se tornarem escassos;
as rugas, como num mapa hidrográfico;
a pele, pergaminho ligeiramente desidratado,
e tive a sensação de que ele queria
me dizer alguma coisa,
ou pelo menos balbuciar alguma coisa,
como num estertor final.

Fiquei imaginando o que poderia ser,
certo de que seria um pedido de socorro.

Imerso no silêncio,
sabedor do amanhecer ainda distante,
tornei a adormecer.

Pela  manhã lembrei-me do ocorrido e,
penalizado e curioso, tornei a olhar para a parede,
que não era uma parede, mas um espelho.

Rio, 28/11/2012.

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