terça-feira, 14 de maio de 2013

MORRER


Morrer integralmente.
Não ver o mar que ondula,
Encrispa, ascende, eriça,
Avança, retrocede, espuma,
Se embala e cai.

Dar as costas à selva que,
Árvore ou relva,
Alastra, entorta, fura,
Recorta, se espraia e vai.

Morrer totalmente.
Ficar frio e morto, pálido e torto
Exumando-se em recordações,
Lembrado-se de vis decepções e,
Por cúmulo, sorrir no túmulo.

Não ver a folha bailar leve
O bailado da morte
Na brisa que sopra na cova.

Morrer completamente.
Não  ter que adubar olhos a lágrimas,
Parar de cometer versos,
Não ver o sol prenhe de promessas,
A noite vã, a chuva que cai.

Morrer sem mesmo um aviso na surpresa.
Ficar amarelo e com um inseto na testa,
Sem nem mesmo receber o diploma,
Sem esperar a vez na fila, abandonar o pão.

Morrer sem mesmo pagar as contas e os contos,
Sentir-se pasto de vermes e ver-se como tal,
Tal qual sempre se foi: frio, estático, já morto.

Alimentar com o resto da vitalidade do corpo
Uma estranha e sinistra flor que se ensaia,
Meneia, curiosa, pelas brechas da vida,
Dormir sabendo que não haverá alvorada.

Morrer sem deixar um nome,
Um prenome, um sobrenome.

Morrer pura e simplesmente,
Como o orvalho que cai
Ou a rosa que murcha e não é choramingada.

Morrer no alheamento do que ficou,
Borbulhante em sangue ou subitamente,
Como quem dorme.

Morrer verdadeiramente, de corpo e alma
E não pela metade, de mentirinha,
Como sempre, em vida, estivemos  mortos.

Francisco Costa

Nenhum comentário:

Postar um comentário