terça-feira, 7 de maio de 2013

MINHA MUSA, MINHA MESTRA (Pra Yvonne Costa, minha mãe)


Homem, vejo-te agora menina
Sentadinha aí na poltrona
Descansando quase um século
De dedicação integral aos filhos,
Guerreira que não foi à guerra,
Santa que pecou, lavradora
Semeando sonhos em mim.

Se hoje escrevo, lembro
Tua mão sobre a minha
Me alfabetizando, me permitindo
Chegar na escola só pra complementar
As palavras e letras que conheci em ti.

Se hoje me tranco num atelier
E como um arremedo de Deus
Vou criando coisas novas,
Mais não faço que plagiar tua mãozinha
Sempre ocupada com o novo e diferente.

Através de ti conheci Deus, os santos,
As lendas de duendes e outros encantos.
Te ouvindo preparei-me para a partilha
Das coisas, dos dias, do mundo.

Mesmo quando rebelde, propenso
às más criações e à resistência,
enquanto eu desafiava a ditadura
tu oravas, blindando-me em amor,
temerosa, me escondendo o orgulho,
só soube depois, “para não incentivar,
esse maluco que quer mudar o mundo”
(palavras suas).

Agora definhas, te encolhes, murchas
Ocupando cada vez menos espaço
Nesse mundo por onde caminhaste.

Em contradição, em mim
Não há espaço porque todo ele
Ocupado por ti, minha mãe,
Musa primeira, primeira professora
Exemplo concreto  de que viver é amar.

Daqui a pouco estarás onde não sei,
Mas presumo que no reino das mães,
Um lugar onde é sempre sol e saudade.

Um lugar só de fadas,
Desencarnadas mães.

Nesse dia, ainda aqui, caminhando solidão,
Provendo o trânsito das carências,
Estarei mutilado,
como o meu melhor pedaço amputado,
sem o mais sensível dos meus órgãos,
aquele que chamei mamãe.

Francisco Costa
Rio, 05/05/2014.

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