(Pro meu
pai, Pedro Castello Costa,
um ávido leitor de literatura de cordel,
onde
soletrei as minhas primeiras letras)
Seu moço, o senhor tem um compromisso
E esse
compromisso tem que honrar,
O senhor
também nasceu homem
E com homens
tem que se importar.
Preste
atenção neste meu canto
Enquanto me
é permitido cantar,
Ele é
escrito a fúria e sangue,
É canto
feito pra maltratar.
Sou filho de
Pedro Castello,
Cabra
pequeno porém valente,
Foi à guerra
matar gringo,
Ferrar cabo
e tenente.
De tudo que
me ensinou,
O que mais
me marcou, acho,
Foi nunca
abaixar a cabeça,
Temer
peixeira de macho.
Crescido na
bê abado da desgraça,
Tendo este
homem por exemplo,
Aprendi a
furar fundo e rápido,
Não permitir
que me façam graça.
Metade
Francisco, metade universo
Fiz-me poeta
pra cantar em verso
Toda a
vileza desta pobre terra,
Sempre
lutando numa torpe guerra.
Seu moço não
pense que exagero.
Dentro de
mim todo esse ódio fero
Um dia tem
que se acabar,
Nem que eu
tenha que a todos matar.
Assim como
sou Chico,
Severino
também podia ser,
Pois se
Chico cresci na cidade,
Severino no
sertão podia crescer.
E prá me
defender da má fama
Vou mostrar
a lama pra vosmicê,
Um pouco da
miséria nordestina,
Um pedaço do
que se tem prá comer.
No chão
descampado de fogo
Não brota
nem capim tiririca.
Falta chuva,
ajuda e lodo,
Por adubo
nem titica.
Na vermelha
linha do horizonte
Confundem-se
chão e firmamento.
Tudo liso,
sem nem um monte
No eterno
silêncio do sofrimento.
Das pedras
medram espinhos,
Nos galhos
secos nem um ninho
Das rolas e
juritis que voaram
Pr’além e
jamais voltaram.
No solo
ressequido como linho
Pisam pés
descalços com bicheiras,
Nas cumbucas
vazias de pirão
Pastam
enxames de varejeiras.
A caminho do
cemitério,
Sem orações
e sem mistério
Segue sempre
o mesmo cordão
Levando nos
braços um pagão.
Moço, o
senhor ainda não imaginou
Que aquele
filho poderia ser seu,
Como aquele
pai, dizer que já choramingou
Por um filho
que de fome já morreu?
Se me
permitem continuar,
Vou falar da
habitação:
Pobres casas
têm pra morar,
Muito pior
que barracão.
São casas de
barros batidos
Em armações
de galhos,
Cheias de
buracos e falhos,
Com
barbeiros escondidos.
Na aula de
geografia a professora
Se esqueceu
de explicar:
Aqueles que
lá morrem tristes
São tão brasileiros
como os de cá.
E nas
estatísticas oficiais
Se esquecem
de mencionar
Que a
subnutrição é demais
Se a gente
fala mandam calar.
Me desculpe
as rimas pobres,
É a
influência do lugar.
Se na
gramática dei pernada
É porque
gramática não existe lá.
Moço, pense
bem e não se envergonhe,
Nunca é
tarde prá se acordar.
Tem
brasileiro como o senhor
Também
querendo estudar.
Mas a
solução um dia vem
E em governo
não se pode confiar,
Entra ano e
sai ano, dia a dia,
E a fome
consumindo os de lá.
Ano que vem
outra vez tem eleição.
Num partido
os que não dão dinheiro,
No outro os
que dinheiro não dão.
Aqui termino
minha cantilena
Triste e
nojenta como a peste.
Triste
porque fala de gente,
Nojenta
porque é do nordeste.
Não esqueci
da religião,
Outrora
fonte de fé,
Hoje partido
político
Controlado
pé ante pé.
Se não
gostou pode discordar,
Só não
admito é me calar.
Sou filho de
Pedro Castello,
Cabra
pequeno porém valente.
E se ele
matou cabo e tenente,
Não sendo
que eu mais macho,
Mato tudo e
a todos que aparecerem,
Pois não sou
de gente capacho.
Mas um dia,
tenho certeza,
O senhor vai
comigo concordar,
A faca que
ferra boi e onça
Vai bucho de
gente também ferrar
Se da mesma
água, do mesmo poço
Bebem
cavalo, onça, cabra e cobra
Na mesma
mesa, no mesmo almoço
Comerão
ricos e pobres,
Não haverá
sobra.
E o senhor
que está aí aparado
Vai se
sentir até mais animado
Em saber que
o nordeste já não existe,
É pesadelo
do passado.
Mas enquanto
esse dia não chega
Dedilho as
cordas da minha viola,
Vivendo dos
carinhos da minha nega,
Comendo com
o meu salário esmola.
Me desculpe
a ousadia
As senhoras
autoridades,
Confesso
minha rebeldia,
Sou cidadão de maioridade.
Por mais que
me batam ou ferrem
Não me
sentirei desamparado.
O vento
quente já me bateu,
Ao solo seco
estou ferrado.
Francisco
Costa
Nota do
Autor:
Este
poema-cordel que aqui só está parte,
por questão
de espaço e paciência do leitor,
foi escrito
e publicado em tempo anormal.
Custou-me um longo depoimento na Polícia Federal.
Aproveito a
oportunidade de lembrar a desdita
Para que os
jovens permaneçam vigilantes,
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