terça-feira, 7 de maio de 2013

EM CRISE DE CETICISMO (AS LIBÉLULAS)


Hoje tive uma lição de fidelidade,
da ligação incontinente, visceral,
só interrompida pela fatalidade:

no vespertino de ontem, momento
em que o mundo perde as cores
e nos obriga a olhar para dentro
de nós mesmos e de todas as coisas,

duas libélulas, talvez desorientadas
diante da ausência da bússola solar,
clandestinamente invadiram a sala
e passaram a se orientar, atônitas,

pelas lâmpadas mascarando as cores,
fingindo-as diferentes do que eram
até a pouco, clareando minhas retinas.

Absorto com o futebol na tela,
pouco me dei à natureza evoluindo,
convidando-me à contemplação.

Cansadas do voluteio inútil, vão,
na busca do sol orientando em luz,
libélulas outras, distantes, alheias
antes ao drama prestes na minha sala,

pousaram, lado a lado, na parede
da cozinha em penumbra, lotada
de odores e vapores estranhos,
estrangeiros para libélulas perdidas.

Mais tarde, plagiador da realidade,
eu, que acendera sóis artificiais,
agora ordenei a manifestação do vento,
acionando o interruptor.

Despertas, talvez pelo movimento
do ar anunciando o amanhecer,
ou pelos sons inaudíveis pra mim,
por cotidianos e repetidos, diários,

as libélulas acordaram incrédulas
diante do ventilador de teto, talvez
acreditando-o uma libélula gigante,
o próprio deus de todas as libélulas.

E voaram todas na direção dele,
transformando-se em nuvens de asinhas
desconectadas dos corpinhos mortos.

Esse o meu medo nas religiões,
o semear de esperanças e expectativas,
o caminhar para a morte
esperando encontrar Deus
e só encontrar a morte.

Francisco Costa
Rio, 20/02/2012.

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