Eu sou a
Chica, a famosa Chica,
dos sorrisos
fáceis e olhos negros,
de lábios
fartos e quartos generosos
correndo
músculos e desejos,
derramando-me
em fingidos ais.
Sou eu a de
todas as idades,
de todas as
nacionalidades,
do velho e
do novo, do povo.
A Chica da
porta da zona
e das beiras
do cais,
a Chica dos
dentes cerrados,
de todos e dos
mais.
Minha sina,
esta: dar amor, vender amor,
trocar amor
por moedas e corpos
iguais,
mesmos, invariáveis e alheios.
Sou bálsamo,
lenitivo, prazer de ocasião
para quem
chega e quem vai
porque
ninguém nunca fica.
Trago as
mãos cansadas, exaustas
de tanto
alisar testas, afagar testas
nesse meu
peito público, mercantilizável.
Sou a Chica
só, sem bolsa e sem bolso,
só uma
piranha barata,
uma vagabunda
fácil,
marafona de
poucos encantos
afundando-se
em corpos desconhecidos
morrendo um
pouco porque acho merecido.
Sou o
sorriso de escárnio da virgem frustrada,
o escarro da
puritana de mente castrada,
a praga da
beata, o mau dizer da mal casada.
Minha vagina
é um cofre, um carnê,
talonário
onde se escreve o meu preço,
mera sacola
nas esquinas da vida,
um saque nas
encruzilhadas dos dias.
Mas quando o
dia amanhece, sempre triste,
e fecham-se
os últimos bares, os últimos bilhares,
lembro que
sou de todos, aos milhares,
em pé,
deitada, nua, vestida, no chão,
na cama, com
vontade ou não, no muro..
Sou só uma
mulher, igual a todas, juro.
E volto pra
minha casa de cômodo,
para a única
cama em que me deito só.
Antes de
dormir, passeio no ontem,
correndo na
grama com as amiguinhas,
Fazendo a
minha boneca dormir,
sob os olhos
vigilantes de pai, que filha minha
vai me dar
netos e sorrisos na velhice;
mãe,
monumento de pudor e princípios,
e lastimo os
filhos que não fiz...
Não sei o
que é amor, nunca fiz amor,
só me
permiti ao estupro e às sevícias.
Minha
vingança é essa: enganá-los a todos.
E durmo, e
chego em minha casa mobiliada
de encanto e
filhos, atarefada com a janta,
que o
marido, meu orgulho e prazer, já chega.
Até acordar,
me espreguiçar e voltar a ser o que
na pena do
literato importante é prostituta,
na língua do
povo que me sustenta, uma puta.
Francisco
Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário