terça-feira, 7 de maio de 2013

CHICA PIRANHA


Eu sou a Chica, a famosa Chica,
dos sorrisos fáceis e olhos negros,
de lábios fartos e quartos generosos
correndo músculos e desejos,
derramando-me em fingidos ais.

Sou eu a de todas as idades,
de todas as nacionalidades,
do velho e do novo, do povo.

A Chica da porta da zona
e das beiras do cais,
a Chica dos dentes cerrados,
de todos e dos mais.

Minha sina, esta: dar amor, vender amor,
trocar amor por moedas e corpos
iguais, mesmos, invariáveis e alheios.

Sou bálsamo, lenitivo, prazer de ocasião
para quem chega e quem vai
porque ninguém nunca fica.

Trago as mãos cansadas, exaustas
de tanto alisar testas, afagar testas
nesse meu peito público, mercantilizável.

Sou a Chica só, sem bolsa e sem bolso,
só uma piranha barata,
uma vagabunda fácil,
marafona de poucos encantos
afundando-se em corpos desconhecidos
morrendo um pouco porque acho merecido.

Sou o sorriso de escárnio da virgem frustrada,
o escarro da puritana de mente castrada,
a praga da beata, o mau dizer da mal casada.

Minha vagina é um cofre, um carnê,
talonário onde se escreve o meu preço,
mera sacola nas esquinas da vida,
um saque nas encruzilhadas dos dias.

Mas quando o dia amanhece, sempre triste,
e fecham-se os últimos bares, os últimos bilhares,
lembro que sou de todos, aos milhares,
em pé, deitada, nua, vestida, no chão,
na cama, com vontade ou não, no muro..
Sou só uma mulher, igual a todas, juro.

E volto pra minha casa de cômodo,
para a única cama em que me deito só.

Antes de dormir, passeio no ontem,
correndo na grama com as amiguinhas,
Fazendo a minha boneca dormir,
sob os olhos vigilantes de pai, que filha minha
vai me dar netos e sorrisos na velhice;
mãe, monumento de pudor e princípios,
e lastimo os filhos que não fiz...

Não sei o que é amor, nunca fiz amor,
só me permiti ao estupro e às sevícias.

Minha vingança é essa: enganá-los  a todos.

E durmo, e chego em minha casa mobiliada
de encanto e filhos, atarefada com a janta,
que o marido, meu orgulho e prazer, já chega.

Até acordar, me espreguiçar e voltar a ser o que
na pena do literato importante é prostituta,
na língua do povo que me sustenta, uma puta.

Francisco Costa
Rio, 24/02/2013.

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