Os anjos da
minha infância foram-se todos.
Acho que só
restou um, malandro vagabundo,
me
orientando nas tramas das perdições.
O primeiro
que se foi, deixando-me frágil,
blindava o
meu peito, fazendo-me imune
aos
vendavais das paixões,
às
intempéries do amor,
aos
temporais de lágrimas e soluços
maldizendo-me
só um homem, impotência
para mudar
vontades femininas, submetê-las.
Logo foi-se
o anjo do comércio e, aparvalhado,
observei
estranhos os mecanismos mentais
dos que
trocam sentimentos, compram afetos,
fazem o
escambo da essencialidade subtraída
em balcões,
guichês, caixas... Apreensivos
porque o que
compraram é pouco e sem valor,
obrigando-os
a logo comprar de novo.
Aí foi a vez
do anjo da parcimônia, da contenção,
deixando-me
em comunhão com o que não sei,
das coisas
do eterno, do imenso, do infinito
estabelecendo
curvas e me afastando do reto.
Foram-se
assim, safados, um por um, ordenadamente,
só ficando
esse, companheiro constante,
as vezes
chato e ditatorial, mas quase sempre doce,
lembrando-me
dos anjos que ele espantou,
um a um, dia
a dia, por toda a freguesia,
até só
restar ele, o anjo da poesia.
Francisco
Costa
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