terça-feira, 7 de maio de 2013

ANJOS EM FUGA


Os anjos da minha infância foram-se todos.
Acho que só restou um, malandro vagabundo,
me orientando nas tramas das perdições.

O primeiro que se foi, deixando-me frágil,
blindava o meu peito, fazendo-me imune
aos vendavais das paixões,
às intempéries do amor,
aos temporais de lágrimas e soluços
maldizendo-me só um homem, impotência
para mudar vontades femininas, submetê-las.

Logo foi-se o anjo do comércio e, aparvalhado,
observei estranhos os mecanismos mentais
dos que trocam sentimentos, compram afetos,
fazem o escambo da essencialidade subtraída
em balcões, guichês, caixas... Apreensivos
porque o que compraram é pouco e sem valor,
obrigando-os a logo comprar de novo.

Aí foi a vez do anjo da parcimônia, da contenção,
deixando-me em comunhão com o que não sei,
das coisas do eterno, do imenso, do infinito
estabelecendo curvas e me afastando do reto.

Foram-se assim, safados, um por um, ordenadamente,
só ficando esse, companheiro constante,
as vezes chato e ditatorial, mas quase sempre doce,
lembrando-me dos anjos que ele espantou,
um a um, dia a dia, por toda a freguesia,
até só restar ele, o anjo da poesia.

Francisco Costa
Rio, 14/03/2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário