quarta-feira, 8 de maio de 2013

CRÍTICA SIM, PRECONCEITO NÃO


Aberto ao mundo em evolução, estou atento
e observo pretensões equivocadas, tortas,
medindo-as com a mesma régua e o compasso
com que meço a luta dos abutres e das pombas
na arena da economia, via de mão única,
e das vaidades, via de trânsito controlado.

Não gosto das elites, sejam as políticas,
com a pretensão da competência
para gerenciar o mundo;
as religiosas, mediando o que é só suposição
e a realidade, com doutoral certeza
de que íntimos dos deuses, apartados dos mortais.

As elites fedem, porque de cheiro desconhecido
aos comuns dos mortais, a essa gente que, triste,
quase sempre equivocada, as sustentam.

Toda elite é pernóstica, presunçosa, daninha,
fazendo de si coisa acima e fora, só descendo
na hora de se alimentar dos que julgam dentro
ou abaixo, no umbral da ignorância e do não saber.

Sim, falo de uma outra elite, combustível e aditivo
de todas as outras, a pretensamente intelectual.
Só porque com  duas ou três letras à frente
no alfabeto do conhecimento linguístico,
fecham-se em castelos de pares, indiferentes,
alheios ao mundo, orbitando os próprios umbigos.

Trêfegos iludidos, crentes do saber de tudo!
Neste universo infinito tudo é infinito, ilimitado,
a começar pelo saber. Toda a minha sabedoria,
diante de sabedoria maior, é ignorância.
Qualquer coisa que eu saiba é circunstancial,
relativa, e só faz sentido se melhora o homem.

Não gosto de elites, e dessa também não.
A divisão em classes outras que não a econômica
é  a máscara da economia escondendo-se,
sorrateira e disfarçada, em autossustentação.

Um dia tivemos cristãos e gentios,
brancos e negros, arianos e não arianos,
cristãos e bárbaros, feudais e vassalos,
burguesia e proletariado, e agora, os travestidos
de doutos do muito pouco se arvoram em sábios
e nos dividem em esclarecidos e ignaros, letrados
e iletrados, de acesso às letras e analfabetos,
servindo aos mesmos e de sempre propósitos.

E aí a crítica a mim, na veia, na carne, no cerne,
porque elogio poemas pagãos à sintaxe, hostis
à gramática, estrangeiros à ortografia e aos pontos.

E daí? Elogio o homem da palafita e do barraco,
o que lava meu carro e varre a rua onde moro,
o que se veste em liquidações e os quase nus,
os tidos pelos doutos como fora, restos.

Mas esqueçamos essa minha tola sociologia
de solidariedade ao semelhante. Isso vale nada
aos vates da perfeição redigida, bem falada,
e voltemos ao que não consideram literatura
porque de ss expulso pelo ç, salteador em ação
envenenando o poema, a estética, o idioma.

Não defendo o erro, o equívoco, a ignorância,
mas conheço os pais desses males, e os abomino.
Condenar as vítimas é engordar o coral dos algozes,
cantar afinadinho no coro dos que justificam isso,
a miséria, a divisão em classes, a fome de comida
e saber.

Ao faminto só importa a comida.
Se servida em prato de barro ou porcelana chinesa,
mesmo se num prato, na travessa ou num penico,
o que importa é a saciedade, o livrar-se da fome,
em forma de sorrisos. Do que aflige, em versos.
Louvo Camões e Homero, o que não me exime
de louvar os cantadores de feiras, os cordelistas,
os poetas populares que se mostram em versos.

Tudo nasce popular e o tempo avalia e consagra,
se de valor: clássico! O que se propõe, ó inocência!
De nascimento clássico não nasce, é abortado,
surgiu para habitar no limbo do esquecimento.

Sempre que eu ler alguma coisa que me toque,
que tenha sentimentos humanos, coisa de gente,
curtirei o que se esconde por trás dos erros,
comentarei o camuflado nos equívocos,
compartilharei sentimentos mal redigidos,
ainda que não nascidos das penas douradas
dos sacrossantos anjos proprietários da verdade,
reduzida a saber escrever sem cometer erros.

Francisco Costa
Rio, 25/02/2013.

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